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Recentemente, assisti ao monólogo “Frida Kahlo, a deusa tehuana” com a atriz Rose Genaro, sob a direção de Luis Antonio Rocha. Uma obra inspirada na vida da artista mexicana que sofreu de poliomielite e aos 18 anos teve uma barra de ferra penetrada no seu corpo, num acidente com um ônibus. Frida se casa com Diego Rivera com quem tem uma relação de idas e vindas. Ambos vivem outros casos de amor e Frida tem como um de seus amantes o russo Trotsky que vai ao México fugindo de Stalin. Fisicamente debilitada e sentindo fortes dores, Frida é uma mulher que vive uma profunda dor da alma. Seu amor por Diego a faz ir ao que há de mais profundo, ao abissal. Imersa na sua dor, Frida produz uma obra marcada, sobretudo pelos autorretratos.

Perséfone é a deusa da agricultura da mitologia grega, mas é também conhecida como a rainha das trevas. Raptada por Hades, o senhor dos mortos, é levada para as profundezas. Demeter, a mãe de Perséfone, sofre profundamente ao ser afastada da filha e deixa a terra infértil. Zeus faz um acordo com Demeter para que a terra volte a dar frutos e determina que Hades devolva Perséfone à sua mãe. Hades só aceita na condição de que ela volte para o reino das trevas num determinado período do ano que é o inverno. Sempre que retorna ao Olimpo para estar perto de sua mãe chega com ela a primavera. Apesar de ter uma relação conturbada com Hades, Perséfone nutre por Hades um forte amor.

Frida parece ser um exemplo humano do arquétipo de Perséfone. Esta mulher que vai ao fundo do poço. Ambas são levadas por um grande amor e é nas profundezas que ela se permite se conhecer. O inverno de Perséfone é também o símbolo do mergulho em si mesma, do momento em que ela é capaz de fazer uma “viagem” interior e profunda. Perséfone personifica aquela que busca o autoconhecimento e que busca compreender os seus próprios sofrimentos. Mas depois do inverno vem a primavera. Perséfone emerge e a terra fica fértil novamente. Este é o arquétipo que simboliza a mulher que revela os seus mistérios, que dá flor. É o símbolo da mulher que amadurece e dá fertilidade. É também o da intuição.

Igualmente, Frida mergulha em suas dores físicas, seus pensamentos e sentimentos são negativos. No abissal tem que encarar as suas sombras, as trevas e viver o seu inverno. É um caminho necessário na estrada do autoconhecimento e ela pinta seu autoretrato. A nossa inteligência emocional está em sair do inverno para a primavera, em não querer controlar as emoções negativas, mas em reconhecê-las, se necessário, vivê-las e, acima de tudo, em percebê-las e transformá-las. É estar preparada para a beleza, a fertilidade e a revelação da primavera. Seus quadros são recheados de flores e de cores. Frida sofre a sua infertilidade e a incapacidade de gerar um filho. Numa de suas mais belas obras, ela está amamentando um bebê num seio que é como um buque de flores.

Neste caminho do autoconhecimento, o arquétipo de Perséfone revista não só a vida de Frida Kahlo, mas de todas nós. Despertar nossa Perséfone, é nos permitir ir ao profundo, viver talvez um inverno que nos desafia a trazer à superfície uma mulher madura, que floresce e que deixa frutos. Mesmo que os frutos de Frida nao tenham sido os filhos que ela desejou ter, sua obra é a primavera que desejamos. Um legado nao só pelo acervo de suas pinturas e de seus textos, mas o legado de uma mulher que esteve sempre muito à frente de seu tempo e quiçá à frente dos tempos de hoje.